
A comunidade gay e, porquê não, artística estavam atentas ao problema que os governantes dos EUA ignoravam. E sem espaço nos meios de comunicação em massa, eles voltaram no tempo, e usaram o que os gregos inventaram e usavam lá na antiguidade pra se comunicar com as massas: os palcos. Em 1982 já haviam alguns pequenos espetáculos que mal foram documentados, mas foi com a estréia de duas peças em Nova Iorque em 1985 que o mundo começou a questionar a política de controle à AIDS, e ver o sentimento naqueles que a maioria negligenciava. "As Is" de William Hoffman mostrava como a doença afetava as pessoas, e "The Normal Heart" de Tony Kushner veio na esteira mostrando isso tudo e alfinetando o prefeito de Nova Iorque Ed Koch, o jornal The New York Times por falhar em divulgar informações sobre a doença, o governo e todo o preconceito em torno da praga.
O que fez o discurso de "The Normal Heart" mais poderoso que o de "As Is" foi o caráter autobiográfico que Tony Kushner deu a sua obra. Ele é o personagem principal Ned Weeks, e ao viver tudo o que a peça mostra, viu nos palcos uma maneira de dar voz ao grito que ninguém queria escutar. E é exatamente esta a sensação que o público tem ao sair do teatro, de ter ouvido um merecido e racionalmente emotivo grito.
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o elenco da peça |
Quando fui pra Nova Iorque e escolhi os espetáculos que assistiria, usei o critério da variedade e principalmente preço, porque não ia dar pra assistir tudo o que queria ao preço de ao menos 70 dólares cada. Como não queria ficar restrito aos musicais, "The Normal Heart" me chamou a atenção por ser uma peça dramática e ainda ter o ator Jim Parsons, o Sheldon da série cômica "The Big Bang Theory" no elenco. Eu não tinha idéia!... Depois de 294 apresentações de 1985, a peça foi encenada em outras cidades e em Londres, e foi remontada em 2004, mas sempre no circuito off-Broadway (e ainda existe o off-off-Broadway!). Em 2011 ela foi remontada no circuito da Broadway pra uma curtíssima temporada, e eu dei sorte. No elenco desta montagem estavam o incrível Joe Mantello (um dos atores originais da peça dupla que também fala da crise da AIDS e originou a minissérie da HBO "Angels in America", e diretor original do musical-sensação "Wicked"), John Benjamin Hickey (o irmão da protagonista da série "The Big C", e ganhador do Tony - Oscar da Broadway - pelo papel), Ellen Barkin (que também ganhou um Tony pelo papel), Jim Parsons, Lee Pace (protagonista da finada série "Pushing Daisies") e outros.
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Os nomes ao fundo do palco são dos primeiros mortos |
Na peça, Ned Weeks é um escritor-ativista gay judeu-americano que foi chamado pela médica cadeirante Dra. Emma Brookner pra falar sobre uma misteriosa doença que ao longo da peça matou 45 homossexuais. Ela parece ser a única médica de Nova Iorque a atender esses homens, e a única a compreender o comportamento do vírus e sua ação endêmica. Ela é categórica ao dizer para o escritor "Você precisa falar para os gays que eles não podem continuar fazendo sexo˜, o que causa risos do protagonista e da platéia. O que ela quer é que Ned se torne um ativista deste problema, e o destino vai cercar ele deste problema. Nessa jornada pra fundar uma organização que informe a sociedade, e ajude os infectados, ele entra em atrito com seu homofóbico irmão mais velho que poderia lhe ajudar, com um ativista de caráter menos agressivo porém duvidoso que tenta lhe ajudar, e com a prefeitura de Nova Iorque que cria diversos obstáculos pra obtenção de apoio. E talvez dando origem ao título, se apaixona pela primeira vez. Talvez seu feroz coração tenha ficado normal?
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A Doutora |
O sucesso da peça gerou o óbvio caminho do cinema, mas obras como "Angels in America" de 1993 foram adaptados muito antes. A atriz Barbra Streisand comprou os direitos da peça logo que assistiu em 1985, mas nunca conseguiu tirar do projeto, e então 10 anos depois devolveu os direitos para Tony Kushner. Durante a remontagem da peça ano passado, ele chegou a dizer para uma revista que a culpa da peça ainda não ter virado filme era dela. Anúncio este que fez a atriz postar em seu site oficial uma carta sobre o assunto, dizendo que Kushner exigiu que o roteiro que ele havia escrito não fosse retocado, o que segundo ela nenhum estúdio aceitou, e que a declaração dele de que ela havia feito um roteiro onde a Doutora era a protagonista em detrimento dos personagens gays para que ela estrelasse e dirigisse não procedia já que ela já havia oferecido o papel para Julia Roberts. Na carta, Barbra lembra que admira profundamente o trabalho de Kushner, que não tem ressentimentos, e que ao se entristecer por não ter levado o projeto pra frente espera e deseja que o filme seja feito, pelo bem de sua mensagem.
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O elenco do filme, e o diretor no centro inferior |
De qualquer forma o trabalho de sondagem de Barbra deu resultados positivos, pois parte do elenco que ela havia procurado irá de fato fazer o filme. Ryan Murphy, notório criador de séries com militância gay como "Popular", "Nip/Tuck", "Glee" e "American Horror Story", e diretor de "Comer, Rezar, Amar" será o diretor, mas ainda não se sabe se o roteiro será nos termos de Kramer ou se o estúdio fará alterações. A produção fica por conta da Plan B de Brad Pitt, e no elenco principal terá Mark Ruffalo (o Hulk de "Vingadores") como Ned, Julia Roberts como a Dra. Emma Brookner (e única personagem feminina), Matt Bomer (da série "White Collar") como o namorado de Ned, Alec Baldwin como o irmão homofóbico e Jim Parsons reprisando seu papel de um inocente ativista gay do sul na peça.
Vai ser de cortar corações, mas PELAMORDEDEUS sempre usem camisinha. AIDS é uma praga mundial que QUALQUER um está passível de contrair. E já que os governos não fizeram nada lá atrás, quando só haviam dezenas de mortos, fazemos a contenção agora.
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