Sabe aquelas discussões que inicialmente tem boas intenções, mas aí vão dando tantas voltas até fugir do tema principal e quando todos percebem estão discutindo sobre política, futebol e religião, temas que como todos sabemos dá um sem-fim de polêmicas e discordâncias? A peça Deus da Carnificina faz comédia em cima desta situação, mas mesmo sem os temas futebol, religião e política o clima fica pesado o suficiente pra mudar para sempre a vida de seus personagens.
Dois casais se encontram no apartamento de um deles pra tentarem resolver a situação de seus filhos de 11 anos, que brigaram na rua a ponto de um deles pegar um pedaço de pau e quebrar dois dentes do outro, e como diria a mãe da vítima, desfigurá-lo. Toda a conversa e conciliação parecem as mais pacíficas possíveis, até que todo o ritual de socialmente dóceis dos donos do apartamento começa a irritar Alan, o pai advogado do agressor, e o clima incômodo começa a ser substituído por sinceridades profundas, talvez profundas demais para pessoas que acabaram de se conhecer. E claro que descobriremos que os casais são tão falhos quanto humanos, e não tem nada de perfeitos.
Lemmertz e um excelente momento baixo nível |
O tal Deus da Carnificina é mencionado quando um dos personagens, claramente descrente de qualquer bondade humana diz que o único Deus que nos governa é o da carnificina, pois o mundo desde que é mundo é dos selvagens. A comédia é toda em cima dessa desgraça e selvageria alheia, levando o público a se divertir com as incômodas discussões dos casais, ora ofendendo si próprios, ora se defendendo, mas talvez no fundo vendo o outro casal como espelho pra tentar resolver seus problemas, mesmo que de forma caótica. Os irracionais duelos verbais dos pais (que logo parecem crianças) que mexem com misoginia, preconceito racial e até homofobia são, de fato, tão indigestos se não fosse uma comédia que uma das partes centrais da peça é quando uma das mulheres vomita em cima de uma mesa repleta de livros de arte.
O elenco nacional dirigido por Emilio de Mello (da elogiada peça In On It) é formado por Orã Figueiredo, Deborah Evelyn, Julia Lemmertz e Paulo Betti, que estão muito à vontade em seus papéis, e surpreendem o público com as muitas variações de humor de seus personagens. A peça, que já passou pelo Rio, fica em cartaz no Teatro Vivo em São Paulo às sextas 21h30, sábados 21h e domingos 19h até o dia 28 de agosto.
o cartaz da versão Broadway |
Escrito pela francesa Yasmina Reza, a peça estreou em Zurique em 2006, mas teve temporada apenas em 2008, quase simultaneamente em Paris tendo Isabelle Huppert no elenco e em Londres com Ralph Fiennes. Na Inglaterra a peça ganhou o prêmio Laurence Olivier de melhor nova comédia. Em 2009 a peça sofreu algumas modificações para se acomodar ao público americano mais conservador e estreou na Broadway com James Gandolfini (Família Soprano), Marcia Gay Harden (vencedora do Oscar por Pollock), Hope Davis (As Confissões de Schmidt) e Jeff Daniels (Debi & Loide) no elenco. O sucesso foi tremendo, que prevista pra uma temporada de até 5 meses, a peça teve de ser prolongada em mais 7 meses. Por conta deste prolongamento, os atores originais deram lugar nos últimos meses em cartaz a novos atores, entres eles Lucy Liu (As Panteras) em sua estreia nos palcos e Dylan Baker (Nip\Tuck). A montagem americana também levou os prêmios de melhor peça, melhor direção e melhor atriz pra Marcia Gay Harden no Tony Awards (o Oscar do teatro americano).
Primeira foto do filme de Polanski |
Tanta badalação chamou a atenção do diretor Roman Polanski (vencedor do Oscar por O Pianista e famoso por sua dramática vida pessoal), que estava procurando uma comédia incomum para filmar. Seu filme se chamará apenas Carnage (Carnificina) e terá Kate Winslet (Titanic), Jodie Foster (Quarto do Pânico), Christoph Waltz (vencedor do Oscar por Bastardos Inglórios) e John C. Reilly (Magnólia) no elenco, e deve estrear em novembro nos EUA.
E você, acredita que somos todos selvagens governados pelo Deus da Carnificina?
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