Em 2002, o roteirista Brian K. Vaughan já trabalhava com quadrinhos desde os anos 90, mas foi neste ano que ele chamou a atenção por um trabalho somente seu
, Y - O Último Homem, lançado pelo selo adulto Vertigo, geralmente de independentes e experimentais. A originalidade e qualidade da história e dos desenhos de Pia Guerra chamou a atenção e fez com que o trabalho ganhasse alguns prêmios Eisner, o Oscar dos quadrinhos. Mais do que isso, por se tratar da história de um personagem que não tem super poderes, o criador avisou que a obra teria um final, em seu número 60.
A inquietante série instiga uma fantasia que é masculina e feminina ao mesmo tempo, ao ficcionalizar como seria a sociedade atual sem indivíduos masculinos. Na trama, algo (chamado de "praga") mata simultaneamente todos os mamíferos vivos que possuam o cromossomo Y (inclusive embriões, óvulos fertilizados, e até mesmo esperma). As únicas excessões são Yorick Brown, um jovem artista amador da fuga (ou alguém sem muita noção de futuro e trabalho) e seu macaco-prego macho nomeado Ampersand. A sociedade está jogada ao caos do colapso da infraestrutura, e as mulheres sobreviventes tentam lidar com a perda de seus homens (e seus cadáveres), a culpa, a espera pela extinção da humanidade, e a esperança. Yorick, em sua busca pela noiva que estava na Austrália no momento da praga, acaba recebendo a proteção da misteriosa agente 355, enviada pela mãe de Yorick, uma congressista do governo oficial. Mas o conflitante destino e plano dos dois sofrerá várias reviravoltas, pois no caminho há gangues de mulheres fanáticas e exércitos estrangeiros e revolucionários. Além de encontrar a Dra. Mann (um nome irônico, por sinal), uma geneticista que tentou gerar um clone à época da praga, e que persuade os dois a ir até seu segundo laboratório (já que o primeiro é destruído) na Califórnia para estudar o rapaz e encontrar a cura. O trajeto dos três leva muitos meses, encontram muitos obstáculos, estradas fechadas, tiroteios, conspirações, análises psicológicas, discussões políticas e morais, e algumas histórias curtas e outras que não parecem ter nada a ver com os protagonistas.
A idéia de analisar como seria uma situação desta não é inédita. A clássica escritora de Frankestein, Mary Shelley escreveu em 1826
O Último Homem, que era um longo romance que falava de uma praga que dizimava a população mundial, mas o último homem em questão só se tornava último ao final da história, e o escritor Richard Matheson escreveu em 1954 o livro
Eu Sou a Lenda, que conta a história de um homem que sobreviveu a um vírus que transformou toda a população em vampiros, e virou filme com Will Smith. E o próprio
Y pode ter sido inspirado por um romance em quadrinhos dos anos 50 chamado
Yorick - The Last Man on Earth.
A obra terminou de ser publicada nos EUA em março de 2008, ganhando várias coletâneas em seguida. No Brasil começou a ser publicada individualmente pela Opera Graphica, ganhou coletâneas similares as estadounidenses, mas migrou para a Editora Panini, onde ganhou por enquanto quatro coletâneas, chegando até o número 23 (de 60), mas os lançamentos irregulares da editora prejudicam um bocado os leitores, que nunca entendem a periodicidade.
O sucesso desses quadrinhos abriram para o autor Brian K.Vaughan as portas para lançar em seguida os igualmente sucessos
Runaways, Deus Ex Machina (que nosso colega Cylon Thirteen irá escrever brevemente) e a obra única
Leões de Bagdá, além de colocar o autor nas trilhas do audiovisual. Ele foi convidado para fazer parte da equipe de roteiristas do seriado
Lost durante duas temporadas, logo depois escreveu um primeiro rascunho para um filme baseado em
Y. O filme se mantém na gaveta, já que o estúdio New Line que detém os direitos quer apenas um filme, e o primeiro diretor interessado, D.J. Caruso (de
Paranóia,
Controle Absoluto e o vindouro
Eu Sou Número 4) acha que só é possível contar a história numa trilogia. O ator cotada para o papel de Yorick na época era Shia Labeouf (
Transformers). Mas o fraquíssimo diretor Louis Leterrier (
O Incrível Hulk,
Fúria de Titãs) sugeriu ao estúdio transformar a obra numa série, que na minha opinião seria o ideal, mas bateria de frente com os conceitos de
The Walking Dead de alguma forma (não que mulheres sejam necessariamente zumbis).
O tom de aventura cinematográfica, com um texto sensacional fazem de
Y: O Último Homem uma obra obrigatória, por seu realismo e sua oportunidade única de traçar as possibilidades para o engajamento dos leitores com situações traumáticas em específicos espaços e tempos, além de toda uma discussão política e sexista. A obra fala sobre um homem sozinho num mundo de mulheres, mas poderia falar sobre uma mulher num mundo de homens que teria as mesmas discussões, portanto, como seria se você fosse o último homem/mulher do mundo?