sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Chastain e Bigelow fazem A HORA MAIS ESCURA brilhar!

Tela escura e silêncio. Repentinamente somos surpreendidos por diversas gravações de voz. Não é preciso muito tempo para que quem viveu o momento o reconheça: 11/09, o ataque terrorista mais ambicioso da história! Saltamos dois anos a frente e a primeira imagem que vemos nos coloca em uma sala de "interrogatórios", que logo se transforma em sala de tortura. Nossa protagonista aparece, com o rosto encoberto e tenta lidar com as imagens a que assiste. Com essa bela metáfora sobre o que justifica nossas ações e até que ponto estamos confortáveis em assumir tais ações, Kathryn Bigelow introduz seu novo filme, A HORA MAIS ESCURA (Zero Dark Thirty, 2012), filme que ela mesma definiu como a história da procura da uma agulha muito afiada em um palheiro gigantesco.


Repetindo a parceria (de GUERRA AO TERROR) com o roteirista Mark Boal, Bigelow conta como Maya (Jessica Chastain) dedicou anos da sua vida na busca do líder terrorista Osama Bin Laden. Era de se esperar que um filme como este exagerasse no patriotismo, mas Boal soube criar uma trama quase que documental. Somos levados, num passo a passo intrigante e inquietante, à descoberta do paradeiro do chefe da Al Qaeda enquanto acompanhamos o oscilar de uma agente da CIA entre a frieza e a desolação.

O roteiro perpassa diversos momentos que acompanhamos nos noticiários, desde atentados em Londres e em uma base dos EUA até pronunciamentos de Obama condenando o uso de tortura como método para obtenção de informação. Bigelow aproveita o excelente elenco (James Gandolfini, Kyle Chandler e Mark Strong, entre outros) para mostrar o quanto o ataque mexeu com os egos da inteligência norte-americana. Em certo momento, quando questionado por um de seus subalternos quanto à capacidade intelectual de Maya, o chefe da CIA retruca: na CIA, todos somos inteligentes!

Aproveitando a atuação equilibrada de Chastain, Bigelow mostra didaticamente o que move essa mulher, sem no entanto recorrer a lições maniqueístas. Maya quer prender o ser que pode, a qualquer momento, reaparecer e abalar o seu mundo.

Tecnicamente, o filme segue o já bem sucedido GUERRA AO TERROR. A fotografia, belíssima, ressalta a desolação do mundo de Maya e o viés encorajador que seu trabalho tem em sua vida. As situações por que passa a mostram cada vez mais preparada para lidar com os problemas, falando um palavrão para ganhar a atenção do chefe, rabiscando números em um vidro ao cobrar agilidade de outro ou mesmo quando tira o capuz, aquele do começo do filme, para encarar o interrogado frente a frente. Bigelow entrega a Chastain cenas singulares em que esta, com um belo olhar ou com a postura envergada pelo peso da responsabilidade de reconhecer se o alvo foi abatido, nos lembra o porque de toda aquela ação. Enquadramentos inteligentes tiram dos diálogos a necessidade de explicar qualquer coisa. Uma progressão de humores e sentimentos.

A bela fotografia ilustra o mundo de Maya

Destaque para as brilhantes cenas do atentado em um ônibus em Londres e do tiro fatal em Bin Laden. O soldado fica incrédulo - atitude que seria repetida por todos que ouviriam a notícia ao redor do mundo - diante do que acabara de fazer. Ele sabe que entrou para a história. Ele sente que, finalmente, uma história que começara em 2001 terminava.

Maya entra em um avião e encosta em um fundo vermelho e branco, que não por acaso lembra a bandeira dos EUA. Uma lágrima escorre por seu rosto e com ela, vai embora o peso de seu trabalho. Seu olhar diz tudo: a agulha foi encontrada.

Ponto final.

Enquadramentos cheios de significado

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

TV: Pé na Cova, ou a A Família Addams do Irajá

O escritor, diretor, ex-apresentador do Video Show, produtor e ator Miguel Falabella já cansou de falar que ele considera a comédia muito mais comunicadora que o drama, e pra ele já ficou claro que isso é verdadeiro. Segundo ele se trata de um seriado "cruel, ácido, crítico e apocalíptico", e que também é seu trabalho mais pessoal (ele cresceu no Irajá, onde se passa o seriado). 
Mas aparentemente o projeto surgiu por encomenda. Uma vez que o elenco de A Grande Família, que é um campeão de audência no canal, anda querendo o fim do seriado devido a brigas e o óbvio desgaste mesmo após a passagem de tempo (leia-se: reforma), a rede Globo precisa do substituto que já não tem mais desde o fim de Toma Lá Da Cá do próprio Falabella. Portanto não me parece uma coincidência que Pé na Cova seja sobre uma família suburbana e seus vizinhos, e que tenha uma estrutura parecida (se lá há o Beiçola que vende pastéis, aqui há as gêmeas que vendem cachorro-quente), mas há algo mais a se oferecer ao público.
Pé na Cova acompanha a família de Gedivan Pereira, vulgo Ruço (papel de Falabella), sua alcoólatra ex-esposa Darlene (uma nonsense Marília Pêra), a filha que trabalha de stripper virtual Odete Roitman (a ex-subestimada Luma Costa), o iletrado filho candidato a vereador Alessanderson (Daniel Torres, que estava em Toma Lá Da Cá), Isaura, a babá negra de Ruço que mal se move e fala ("papel" de Niana Machado), e a sonhadora namorada de 19 anos que Ruço leva pra morar com eles Abigail (papel de Lorena Comparato, na vida real irmã de Bianca que viveu Betânia em Avenida Brasil), enquanto administram na parte de baixo da casa a funerária F.U.I. (Funerária Unidos do Irajá). Além da morte, há bizarros vizinhos que os cercam: a mecânica Tamanco (ousada estréia da cantora Mart'nália), Marcão que se traveste de Markassa durante a noite (o ótimo Maurício Xavier), o faz-tudo Juscelino (que seria de Ney Latorraca, que adoeceu, mas finalmente deu a chance pro veterano Alexandre Zachia se destacar) e sua desmiolada irmã carpideira Luz Divina (a veterana atriz de teatro Eliana Rocha), as gêmeas de raças diferentes donas da barraca de cachorro-quente Soninja (a ex-Rouge Karin Hils) e Giussandra (Karina Marthin), o vigilante Floriano (o veterano Rubens de Araújo), e por fim a empregada da família Adenóide (papel da veteraníssima cantora e atriz de musicais Sabrina Korgut, dentre eles Avenida Q e Miss Saigon).
Gomes e o Primo It
Quando começou a divulgação, muitos assimilaram a trama com Six Feet Under - A Sete Palmos, conhecida série estadunidense sobre uma família dona de uma funerária, mas Pé Na Cova lembra mais a premiada série criada por Alan Ball pelo fato da Darlene ser a maquiadora dos mortos. Mas as semelhanças podem ir além se perceber que enquanto lá havia um filho gay tendo um relacionamento inter-racial, além de outras polêmicas, aqui Falabella também ousa ao colocar a namorada 30 anos mais jovem de Ruço vivendo sob o mesmo de sua ex-esposa, e principalmente pela filha que se tranca no quarto pra trabalhar como striper virtual e que começa a namorar a mecânica que representa todos os estereótipos lésbicos da sociedade.
o cinquentão e sua ninfeta
Sem dúvida o autor está fazendo comédia pelos elementos quase nonsense do texto, lembrando de clássicos como A Família Addams em personagens como Juscelino que é uma mistura de Tio Chico com o Primo It, mas também chama a obra de "a grande tragédia da educação nacional". Tal conceito fica claro em personagens como Darlene que diz que "saiu da crínica (sic)", e tem "diproma (sic)", e de cenas como a do segundo episódio A Nação Laica onde os personagens passam alguns minutos discutindo em vão o significado da palavra laico, concluindo que se trata de uma pessoa despudorada. 
"Sim, somos noivos! E daí?"
O autor acerta em cheio ao criar uma família que ao mesmo tempo que é preconceituosa, como o pai que não se orgulha pela filha bissexual que se exibe na internet por dinheiro, é tolerante, como a mãe que se orgulha de ter uma filha tão linda que deve se exibir pra ganhar em dólar, e assim vão aprendendo a conviver com tantas diferenças. Isso se explica no segundo episódio com participação de Laura Cardoso que não se constrange com a sobrinha-neta noiva de outra mulher, e da presença de um transexual que diz que "adoraria colocar silicone pra deixar de usar pneu", enquanto sua filha preconceituosa quer logo sair dali, e do episódio  Quero Morrer no Carnaval, que eles recebem o corpo de uma elegante transexual, mas decidem tanto por gana quanto por preconceito prepará-la de acordo com a certidão, ou seja, como um homem, e são surpreendidos pela mãe que quer que ele seja enterrado devidamente vestido como mulher.
Dirigido por Cininha de Paula, que disse se inspirar em filmes portugueses, cubanos e nos Irmãos Cohen para realizar uma comédia de "realismo doido", fortemente presente em cenas como a da empregada que chega atrasada porque foi tentar pegar alguma coisa nos escombros de um prédio que tinha acabado de cair, e conseguiu 1/2 kg de carne congelada (que deve ter caído de alguma geladeira), um vidro de xampu pela metade e um cortador de unha, enquanto a amiga conseguiu uma máquina de costura novinha que ficou protegida pelo corpo da dona, que ainda estava lá.
Marcão de dia, Markassa de noite
Um dos erros do seriado é o de, por enquanto, fazer a "moral da história" cair nas costas do patriarca Ruço, o protagonista que Falabella erroneamente se deu. Ok, ele é ótimo, mas as gags à la Caco Antíbes pobre soam ruídos numa trama que de tão absurda, é hilária. Ou seja, ele sabota a própria fórmula do sucesso duradouro de A Grande Família que deve substituir.
O seriado talvez ficasse mais engraçado e divertido se percebesse que os temas polêmicos que a sociedade tanto não quer ver no drama são justamente seu forte, uma vez que a estréia de 17 pontos na Grande São Paulo agradou a emissora e deixou claro que o público aceita tais temas no modo comédia. E quem sabe assim toda a crítica ficasse mais clara para a maioria do público? Fora isso, a absurda galeria de personagens do seriado pode ser vista (e apreciada talvez?) todas as quintas, infelizmente após o Big Brother Brasil....

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Direto da Telona: Meu Namorado É Um Zumbi, ou Quando Deixamos de Sentir

Ele ainda está morto, mas está esquentando
Quando começou a divulgação da adaptação do livro Sangue Quente de Isaac Marion, tudo apontava para uma versão zumbi de Crepúsculo, mas eis que o primeiro trailer revelava um filme bem humorado, que então se aproximaria muito mais de elementos do ácido Shaun of The Dead - Todo Mundo Quase Morto, que mostra o apocalipse zumbi como uma consequência de uma sociedade paralisada, e do pouco visto Fido - O Mascote, que acompanha a amizade de um garoto e seu zumbi de estimação. E este é um dos trunfos deste Meu Namorado é um Zumbi.
Sob a narrativa e o ponto de vista de um jovem zumbi que só lembra que seu nome começa com R, descobrimos que o mundo está tomado pelos mortos-vivos, e que eles evoluem para temidos esqueletos.   Mas mesmo soltando piadas, R precisa se alimentar como qualquer morto-vivo, e num destes ataques ele se apaixona pela namorada de um de suas vítimas, e começa a protegê-la. Ao se alimentar do cérebro do namorado da moça, além de ajudá-lo a entendê-la e conquistá-la, o ajudará a se sentir vivo novamente, causando uma reação em cadeia entre os zumbis.
Era só zoação
Os zumbis do filme repetem ações de quando eram vivos (coisa que o próprio George Romero já experimentou), e tem uma agilidade maior que o usual no gênero. Além da maquiagem simplesmente trash da grande maioria deles, o figurino deles não é aquele deteriorado visto em The Walking Dead. Mas tudo isso a favor de um desenvolvimento a favor dos zumbis, porque apesar do título em português sugerir que a trama se desenrola em torno da moça viva, são os mortos quem passarão por uma transformação.
Eu, você e os zumbis...
É preciso destacar que o filme não seria divertido se Nicholas Hoult (Um Grande Garoto, X-Men: Primeira Classe, e os vindouros Jack - O Matador de Gigantes e Mad Max - Fury Road) não tivesse entendido que R é um zumbi, mas com muita humanidade. O personagem coleciona coisas, e escuta discos de vinil, ou seja, ele já estava a um passo da humanidade antes de se apaixonar. E a química dele com a linda e subestimada Teresa Palmer (Aprendiz de Feiticeiro, Eu Sou Número Quatro), que de tão parecida com Kristen Stewart só ajuda a brincar com o fenômeno Crepúsculo, é qualquer coisa nada melosa. Ah! O filme também tem John Malkovich no elenco, mas apesar de ele não estar de todo mal, é evidente que tinha algumas contas atrasadas.
"Pareço assustador, mas quero que me ame"
Mas o grande trunfo do filme fica subentendido entre cenas de ação e comédia bem feitas pelo promissor diretor Jonathan Levine, que despontou com 50%; Pelas ótimas aparições de Rob Corddry (da série Childrens Hospital) como o melhor amigo de R; e a vocação em brincar com elementos do cinema B: a mensagem de que talvez nos tornamos intolerantes, sem tempo (não à toa grande parte do filme se passe num aeroporto tomado por zumbis sem rumo) e insensíveis o suficiente pra não nos amarmos, nos respeitarmos e no mínimo nos olharmos e perguntar "O que é você?" ("What r u, R?" no original).

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Direto da Telona: Os Miseráveis, ou Les Mis


A cena de abertura dessa adaptação cinematográfica do musical francês que ficou conhecido por sua versão em inglês, que por fim adapta o clássico livro de Victor Hugo mostra um porto feito em computação gráfica e se aproxima de prisioneiros acorrentados puxando um navio um enorme navio, e esse é um dos exemplos da contradição de um filme que pretende ser realista. Mesmo acusado de não entender da linguagem do cinema, Tom Hooper venceu o Oscar de direção do ano passado por O Discurso do Rei, e não pode ser acusado de não saber "vender seu peixe". Saído da tv britânica, ele despontou como um querido de Hollywood pelo bom desempenho da minissérie  John Adams da HBO nas premiações, e aproveitou-se pra continuar a mexer com momentos históricos. Mas fica claro que seu ponto positivo é definitivamente dirigir atores.

A conhecida história fala do santo e ladrão de pão Jean Valjean, que condenado foge e se torna o prefeito de Paris, mas é perseguido pelo intolerante Inspetor Javert. No seu entorno estão os miseráveis do título (ele incluído): uma jovem forçada a se prostituir e sua filha, estudantes revoltosos, golpistas, sonhadores...
Fantine é a única coitada que usa rosa. De boas intenções...
Sem o menor pudor, o diretor fez o dissonante elenco deste Os Miseráveis cantarem ao vivo e se entregarem o máximo possível (leia-se: por vezes exageradamente) a seus personagens a fim de uma estética realista, mas o próprio diretor escolhe ângulos pouco convencionais ao estilo minissérie bíblica da Record que não aproveitam os incríveis cenários e figurinos, e algumas narrativas que nada ajudam. Quando os pobres cantam "At The End of The Day", o diretor tenta ilustrar suas palavras, como se os espectadores não entendessem, e isso vai se repetindo até mesmo em lágrimas. Quando Russell Crowe canta "Stars"e a canção-spoiler no final, a inquieta câmera escolhe um estranho ângulo que mostre o céu estrelado (e digital) que o personagem menciona. Como se trata de uma adaptação, o diretor deveria ter percebido que certas passagens que funcionavam no teatro, não teriam o mesmo peso nas telas. Por mais triste que possa parecer, a Fantine de Anne Hathaway vai ao fundo do poço muito rapidamente, fazendo o ótimo trabalho da atriz parecer forçado, pois não há tempo pro público sequer acreditar nesta mãe desesperada.
Quase um "Píramo e Tisbe" no meio da revolução francesa

É um filme de ator? Assim como o irregular O Discurso do Rei, sem dúvida. Hugh Jackman está insubstituível como Jean Valjean, e merecia uma indicação ao Oscar. E talvez Russell Crowe também tenha sido a melhor escolha pro sádico e perturbado Javert, trazendo todo o conflito e fragilidade do personagem em seu jeito desengonçado e forçado de cantar. Mas não sei se diria o mesmo do resto do elenco. Anne Hathaway nunca interpretou uma mãe antes, e além do roteiro não colaborar com o desenvolvimento de sua Fantine, sua atuação está apoiada na mudança física e repentina da personagem, e na muito bem cantada, mas estranhamente filmada "I Dreamed a Dream". Saída da última versão teatral, Samantha Barks que canta muito bem a subestimada Éponine tem cabelos maravilhosos pra uma miserável, e um estilo latino que difere demais dos à vontade (até demais) Sacha Baron Cohen e Helena Bonhan Carter que fazem seus pais golpistas. E o que dizer da linda Amanda Seyfried, vazia na superestimada personagem Cosette (é como se o diretor tivesse assistido Mamma Mia e se apaixonado por ela, como o resto do planeta, mas esquecido de que ela é demais pro papel).
Crowe e Jackman; dois lados da sociedade (mas sempre cantando)
Num plano geral, esse Os Miseráveis é bastante interessante, e soube se vender bem. Honra as cores do musical do qual vem, mas perde por não ter personalidade própria (como Chicago o teve), como por exemplo optar por não cantar algumas partes que ficaram claramente estranhas filmadas (lembre-se que o filme tem somente uma canção coreografada), e deixar uma longa cena de batalha sem canções (que pro público serve de respiro pra tanta cantoria) somente pro ato final.

"Não, não estamos num filme do Tim Burton..."
A enorme vontade de fazer o público se emocionar, e cenas que fariam Chico Xavier ficar orgulhoso impede que o objetivo principal de Victor Hugo se concretize: fazer o público refletir sobre essa miséria, onde a maioria da população vive como selvagens se atacando e se ofendendo por qualquer coisa. Sim, o musical no teatro consegue causar alguma reflexão, então o filme também conseguiria, se não ficasse tão preso em ser apenas comercial.