domingo, 10 de fevereiro de 2013

Direto da Telona: Os Miseráveis, ou Les Mis


A cena de abertura dessa adaptação cinematográfica do musical francês que ficou conhecido por sua versão em inglês, que por fim adapta o clássico livro de Victor Hugo mostra um porto feito em computação gráfica e se aproxima de prisioneiros acorrentados puxando um navio um enorme navio, e esse é um dos exemplos da contradição de um filme que pretende ser realista. Mesmo acusado de não entender da linguagem do cinema, Tom Hooper venceu o Oscar de direção do ano passado por O Discurso do Rei, e não pode ser acusado de não saber "vender seu peixe". Saído da tv britânica, ele despontou como um querido de Hollywood pelo bom desempenho da minissérie  John Adams da HBO nas premiações, e aproveitou-se pra continuar a mexer com momentos históricos. Mas fica claro que seu ponto positivo é definitivamente dirigir atores.

A conhecida história fala do santo e ladrão de pão Jean Valjean, que condenado foge e se torna o prefeito de Paris, mas é perseguido pelo intolerante Inspetor Javert. No seu entorno estão os miseráveis do título (ele incluído): uma jovem forçada a se prostituir e sua filha, estudantes revoltosos, golpistas, sonhadores...
Fantine é a única coitada que usa rosa. De boas intenções...
Sem o menor pudor, o diretor fez o dissonante elenco deste Os Miseráveis cantarem ao vivo e se entregarem o máximo possível (leia-se: por vezes exageradamente) a seus personagens a fim de uma estética realista, mas o próprio diretor escolhe ângulos pouco convencionais ao estilo minissérie bíblica da Record que não aproveitam os incríveis cenários e figurinos, e algumas narrativas que nada ajudam. Quando os pobres cantam "At The End of The Day", o diretor tenta ilustrar suas palavras, como se os espectadores não entendessem, e isso vai se repetindo até mesmo em lágrimas. Quando Russell Crowe canta "Stars"e a canção-spoiler no final, a inquieta câmera escolhe um estranho ângulo que mostre o céu estrelado (e digital) que o personagem menciona. Como se trata de uma adaptação, o diretor deveria ter percebido que certas passagens que funcionavam no teatro, não teriam o mesmo peso nas telas. Por mais triste que possa parecer, a Fantine de Anne Hathaway vai ao fundo do poço muito rapidamente, fazendo o ótimo trabalho da atriz parecer forçado, pois não há tempo pro público sequer acreditar nesta mãe desesperada.
Quase um "Píramo e Tisbe" no meio da revolução francesa

É um filme de ator? Assim como o irregular O Discurso do Rei, sem dúvida. Hugh Jackman está insubstituível como Jean Valjean, e merecia uma indicação ao Oscar. E talvez Russell Crowe também tenha sido a melhor escolha pro sádico e perturbado Javert, trazendo todo o conflito e fragilidade do personagem em seu jeito desengonçado e forçado de cantar. Mas não sei se diria o mesmo do resto do elenco. Anne Hathaway nunca interpretou uma mãe antes, e além do roteiro não colaborar com o desenvolvimento de sua Fantine, sua atuação está apoiada na mudança física e repentina da personagem, e na muito bem cantada, mas estranhamente filmada "I Dreamed a Dream". Saída da última versão teatral, Samantha Barks que canta muito bem a subestimada Éponine tem cabelos maravilhosos pra uma miserável, e um estilo latino que difere demais dos à vontade (até demais) Sacha Baron Cohen e Helena Bonhan Carter que fazem seus pais golpistas. E o que dizer da linda Amanda Seyfried, vazia na superestimada personagem Cosette (é como se o diretor tivesse assistido Mamma Mia e se apaixonado por ela, como o resto do planeta, mas esquecido de que ela é demais pro papel).
Crowe e Jackman; dois lados da sociedade (mas sempre cantando)
Num plano geral, esse Os Miseráveis é bastante interessante, e soube se vender bem. Honra as cores do musical do qual vem, mas perde por não ter personalidade própria (como Chicago o teve), como por exemplo optar por não cantar algumas partes que ficaram claramente estranhas filmadas (lembre-se que o filme tem somente uma canção coreografada), e deixar uma longa cena de batalha sem canções (que pro público serve de respiro pra tanta cantoria) somente pro ato final.

"Não, não estamos num filme do Tim Burton..."
A enorme vontade de fazer o público se emocionar, e cenas que fariam Chico Xavier ficar orgulhoso impede que o objetivo principal de Victor Hugo se concretize: fazer o público refletir sobre essa miséria, onde a maioria da população vive como selvagens se atacando e se ofendendo por qualquer coisa. Sim, o musical no teatro consegue causar alguma reflexão, então o filme também conseguiria, se não ficasse tão preso em ser apenas comercial.

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