quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

TV: Pé na Cova, ou a A Família Addams do Irajá

O escritor, diretor, ex-apresentador do Video Show, produtor e ator Miguel Falabella já cansou de falar que ele considera a comédia muito mais comunicadora que o drama, e pra ele já ficou claro que isso é verdadeiro. Segundo ele se trata de um seriado "cruel, ácido, crítico e apocalíptico", e que também é seu trabalho mais pessoal (ele cresceu no Irajá, onde se passa o seriado). 
Mas aparentemente o projeto surgiu por encomenda. Uma vez que o elenco de A Grande Família, que é um campeão de audência no canal, anda querendo o fim do seriado devido a brigas e o óbvio desgaste mesmo após a passagem de tempo (leia-se: reforma), a rede Globo precisa do substituto que já não tem mais desde o fim de Toma Lá Da Cá do próprio Falabella. Portanto não me parece uma coincidência que Pé na Cova seja sobre uma família suburbana e seus vizinhos, e que tenha uma estrutura parecida (se lá há o Beiçola que vende pastéis, aqui há as gêmeas que vendem cachorro-quente), mas há algo mais a se oferecer ao público.
Pé na Cova acompanha a família de Gedivan Pereira, vulgo Ruço (papel de Falabella), sua alcoólatra ex-esposa Darlene (uma nonsense Marília Pêra), a filha que trabalha de stripper virtual Odete Roitman (a ex-subestimada Luma Costa), o iletrado filho candidato a vereador Alessanderson (Daniel Torres, que estava em Toma Lá Da Cá), Isaura, a babá negra de Ruço que mal se move e fala ("papel" de Niana Machado), e a sonhadora namorada de 19 anos que Ruço leva pra morar com eles Abigail (papel de Lorena Comparato, na vida real irmã de Bianca que viveu Betânia em Avenida Brasil), enquanto administram na parte de baixo da casa a funerária F.U.I. (Funerária Unidos do Irajá). Além da morte, há bizarros vizinhos que os cercam: a mecânica Tamanco (ousada estréia da cantora Mart'nália), Marcão que se traveste de Markassa durante a noite (o ótimo Maurício Xavier), o faz-tudo Juscelino (que seria de Ney Latorraca, que adoeceu, mas finalmente deu a chance pro veterano Alexandre Zachia se destacar) e sua desmiolada irmã carpideira Luz Divina (a veterana atriz de teatro Eliana Rocha), as gêmeas de raças diferentes donas da barraca de cachorro-quente Soninja (a ex-Rouge Karin Hils) e Giussandra (Karina Marthin), o vigilante Floriano (o veterano Rubens de Araújo), e por fim a empregada da família Adenóide (papel da veteraníssima cantora e atriz de musicais Sabrina Korgut, dentre eles Avenida Q e Miss Saigon).
Gomes e o Primo It
Quando começou a divulgação, muitos assimilaram a trama com Six Feet Under - A Sete Palmos, conhecida série estadunidense sobre uma família dona de uma funerária, mas Pé Na Cova lembra mais a premiada série criada por Alan Ball pelo fato da Darlene ser a maquiadora dos mortos. Mas as semelhanças podem ir além se perceber que enquanto lá havia um filho gay tendo um relacionamento inter-racial, além de outras polêmicas, aqui Falabella também ousa ao colocar a namorada 30 anos mais jovem de Ruço vivendo sob o mesmo de sua ex-esposa, e principalmente pela filha que se tranca no quarto pra trabalhar como striper virtual e que começa a namorar a mecânica que representa todos os estereótipos lésbicos da sociedade.
o cinquentão e sua ninfeta
Sem dúvida o autor está fazendo comédia pelos elementos quase nonsense do texto, lembrando de clássicos como A Família Addams em personagens como Juscelino que é uma mistura de Tio Chico com o Primo It, mas também chama a obra de "a grande tragédia da educação nacional". Tal conceito fica claro em personagens como Darlene que diz que "saiu da crínica (sic)", e tem "diproma (sic)", e de cenas como a do segundo episódio A Nação Laica onde os personagens passam alguns minutos discutindo em vão o significado da palavra laico, concluindo que se trata de uma pessoa despudorada. 
"Sim, somos noivos! E daí?"
O autor acerta em cheio ao criar uma família que ao mesmo tempo que é preconceituosa, como o pai que não se orgulha pela filha bissexual que se exibe na internet por dinheiro, é tolerante, como a mãe que se orgulha de ter uma filha tão linda que deve se exibir pra ganhar em dólar, e assim vão aprendendo a conviver com tantas diferenças. Isso se explica no segundo episódio com participação de Laura Cardoso que não se constrange com a sobrinha-neta noiva de outra mulher, e da presença de um transexual que diz que "adoraria colocar silicone pra deixar de usar pneu", enquanto sua filha preconceituosa quer logo sair dali, e do episódio  Quero Morrer no Carnaval, que eles recebem o corpo de uma elegante transexual, mas decidem tanto por gana quanto por preconceito prepará-la de acordo com a certidão, ou seja, como um homem, e são surpreendidos pela mãe que quer que ele seja enterrado devidamente vestido como mulher.
Dirigido por Cininha de Paula, que disse se inspirar em filmes portugueses, cubanos e nos Irmãos Cohen para realizar uma comédia de "realismo doido", fortemente presente em cenas como a da empregada que chega atrasada porque foi tentar pegar alguma coisa nos escombros de um prédio que tinha acabado de cair, e conseguiu 1/2 kg de carne congelada (que deve ter caído de alguma geladeira), um vidro de xampu pela metade e um cortador de unha, enquanto a amiga conseguiu uma máquina de costura novinha que ficou protegida pelo corpo da dona, que ainda estava lá.
Marcão de dia, Markassa de noite
Um dos erros do seriado é o de, por enquanto, fazer a "moral da história" cair nas costas do patriarca Ruço, o protagonista que Falabella erroneamente se deu. Ok, ele é ótimo, mas as gags à la Caco Antíbes pobre soam ruídos numa trama que de tão absurda, é hilária. Ou seja, ele sabota a própria fórmula do sucesso duradouro de A Grande Família que deve substituir.
O seriado talvez ficasse mais engraçado e divertido se percebesse que os temas polêmicos que a sociedade tanto não quer ver no drama são justamente seu forte, uma vez que a estréia de 17 pontos na Grande São Paulo agradou a emissora e deixou claro que o público aceita tais temas no modo comédia. E quem sabe assim toda a crítica ficasse mais clara para a maioria do público? Fora isso, a absurda galeria de personagens do seriado pode ser vista (e apreciada talvez?) todas as quintas, infelizmente após o Big Brother Brasil....

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