quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Game: Spec Ops - The Line

A narrativa nos jogos sempre foi importante, mas nunca teve tanto peso como hoje. Ainda há muitos jogos com um plot que permite jogá-lo sem muitas surpresas por todo o seu tempo, mas a maioria hoje valoriza a individualidade dos personagens, ao ponto de obrigar o jogador a cometer atos que jamais cometeria na vida real, e perceber em certo ponto que está jogando com um vilão, ou simplesmente compreender sentimentalmente os objetivos do personagem.

Último jogo da franquia de video game militar "Spec Ops" criada inicialmente pela Zombie Studios, que teve 10 jogos lançados desde 1998, "Spec Ops: The Line", já nas mãos da Yager Development e distribuída pela grande 2K Games, é um desses jogos onde a narrativa faz toda a diferença. Acompanhamos e controlamos o Capitão Martin Walker, que é enviado pra fazer reconhecimento e busca de área em uma Dubai devastada por tempestades de areia, após uma mensagem de rádio que dizia "aqui é o Coronel John Konrad, do exército dos Estados Unidos. A tentativa de evacuação de Dubai acabou em completo fracasso. Número de mortos: muitos" com mais dois membros da equipe Força Delta. Ao encontrar corpos de soldados americanos, ele decide que eles devem então procurar por sobreviventes. Conforme eles avançam, surgem evidências de que o 33º esquadrão de soldados se dividiu entre leais e exilados que cometeram atrocidades contra civis a fim de manter a ordem (alguém aí pensou em milícia?). Walker tende a acreditar que John Konrad, o coronel por trás da mensagem de rádio, seja um dos leais, já que teve a vida salva por ele no Afeganistão tempos atrás. Mas a trama tem uma virada brusca quando membros da CIA aparecem pra, teoricamente, eliminar todo do 33º esquadrão, e os três agentes da Força Delta acabam ficando no fogo cruzado, e o tempo todo confundidos com inimigos. Ou eles seriam mesmo os inimigos, e não sabem?


tempestades de areia acontecem de tempo em tempo
Uma trama com tantas camadas poderia resultar em algo simples ou clichê como na franquia "Call of Duty", mas em "Spec Ops: The Line" pouco importa quem seja bom ou mau, apesar desse dilema manter a atenção do jogador. É a jornada moral do Capitão Martin Walker, sem saber em quem atirar, que importa. A maioria dos tiros ocorre por simples auto-defesa, ou pra salvar alguém, que pode vir a ser o verdadeiro inimigo. Um dos momentos mais brilhantes desta narrativa é quando o jogo faz o jogador se sentir um vilão, numa situação muito mais dramática e indispensável que a polêmica fase do aeroporto de "Modern Warfare 2". A partir deste ponto, o jogo se torna uma investigação psicológica sobre os traumas de uma guerra que antes não era sua, mas agora se tornou pessoal.

"Por que estão atirando em mim?"
A jogabilidade em terceira pessoa funciona perfeitamente nesta narrativa, mas muitos podem reclamar da falta do que fazer em grande parte do jogo. Apesar de começar numa tensa perseguição em helicópteros que acontece no meio do jogo, e depois voltar pra como tudo começou, a missão de reconhecimento de área é levada ao pé da letra, e não se dá um único tiro por muito tempo, mas se vê muitas coisas que ajudarão a contar esta complexa trama. E quando é preciso atirar, o jogo fornece todas as ferramentas necessárias pra tornar a experiência agradável e muitas vezes também difícil (morri diversas vezes em telas onde também precisava de uma estratégia).

O fato de "Spec Ops: The Line" ser tão pouco conhecido desde seu lançamento em junho de 2012, e estar ganhando status de cult, talvez resida no próprio título. A Activision, por exemplo, tentou em algumas divulgações dissociar a franquia "Modern Warfare" da série "Call of Duty", da qual ela pertence, apesar de ambos serem um sucesso desde o princípio. Ninguém mais lembra de "Spec Ops", que teve o último título pra PlayStation2 massacrado pela crítica. "The Lineé algo completamente independente, inclusive em engine, gráficos e principalmente narrativa.

"O horror. O horror"
Pra coroar um jogo subestimado, que merece sua atenção, vale lembrar que a trama de "The Line" se baseia em poderosos conceitos sobre comportamento humano em situações hostis, fascínio por alguém que não está lá, bem e mal do romance "O Coração das Trevas", escrito por Joseph Conrad (alguém lembrou do Coronel John Konrad do jogo?) em 1899, que também influenciou obras famosas por explorar o psicológico humano em momentos extremos como o seriado "Lost".

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Vivo ou morto, você vem comigo!



Robocop (2014) não é um remake comum. Ao contrário da maioria das releituras de filmes antigos, que sofrem ou por copiar demais o original ou por ignorá-lo por completo, a estreia de José Padilha em Hollywood sabe balancear bem a homenagem ao cult de 1987 e a criatividade ao redor do personagem título, trazendo uma nova história que dialoga com o mundo de hoje.


Em 2029, a Omnicorp detém o monopólio tecnológico dos drones, robôs que auxiliam na manutenção da paz. Entretanto, devido a uma lei específica, os EUA não permitem que os mesmos atuem em seu território, já que os robôs são desprovidos do livre arbítrio, agindo dessa forma somente de acordo com suas diretrizes. A multinacional decide então colocar o homem dentro da máquina e quando o jovem policial Alex Murphy sofre um atentado que o mutila, os engravatados oferecem à esposa do mesmo uma possibilidade de trazer seu marido de volta.


Padilha e o roteirista Joshua Zetumer fazem escolhas interessantes desde o início do longa, usando a mídia televisiva para auxiliar no avanço do enredo (o que já acontecia no original) mas de uma forma mais específica e contundente, focando na pessoa de um apresentador sensacionalista (alguém lembrou de Tropa de Elite 2?). Além disso, no novo filme a introdução do policial Murphy é um pouco maior e sua família passa a ter uma inclusão mais ativa na trama, algo interessante e que confere ao personagem mais camadas.

A evolução do enredo também inova ao enfocar um ser humano que não quer se tornar máquina (ao contrário do primeiro que era sobre um robô que queria voltar a ser humano). Temos uma pessoa que é modificada para virar um robô e, para isso, deve ser sobrepujada pelo seu sistema operacional, perdendo o seu lado humano, conseguindo assim oferecer os mesmos resultados e o grau de eficiência dos drones da Omnicorp. O filme traz o personagem Dennett Norton, espécie de Dr. Frankenstein do novo Robocop. Como eu disse, mais e mais camadas para abordar o mundo armamentista, onde a ciência avança e gera questionamentos sobre os limites para tal avanço e a influência que conglomerados multinacionais - amparados ou não pela mídia imediatista - nos assuntos reconhecidamente de responsabilidade de cada nação.

Padilha e o montador Daniel Rezende investem em uma montagem bacana, de ritmo ágil, conferindo a esse a mesma sensação de urgência do original. Todo o didatismo, necessário em alguns momentos, se dá por belos efeitos da visão em primeira pessoa de Murphy/Robocop, cenas essas que levarão os fãs de games ao delírio. O policial do futuro mantém seu 'barulhos mecânicos', mas está inegavelmente mais rápido e com uma destreza de dar inveja a qualquer artista circense. Nada que atrapalhe ou destoe (muito) na trama.

As homenagens são pontuais, mas muito bem empregadas. Inserções da fantástica trilha de 1987, o primeiro protótipo da 'roupa' cibernética, o nome do parceiro, e mesmo algumas cenas, como a invasão de um ponto de produção de drogas, tudo muito orgânico e sutil. E sim, a famosa frase-bordão surge, já próximo do final, deixando claro que sim, a produção respeitou o cult, mas não se resignou a fazer uma cópia.


Robocop é um bom filme.  Fã do original ou não, não deixe de dar uma chance a esse longa. Ele é o futuro da polícia. Ele é o Robocop.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Blackfish

Todos que já viram um show de baleias sabe o quanto pode ser tocante. Entre 1985 e 1986, o Playcenter em São Paulo teve a presença das orcas Nandu e Samoa, capturadas na Islândia, mas elas estão desde os anos 60 nos parques do grupo SeaWorld nos EUA. Qualquer um que goste um pouco de animais e água vai achar lindo os animais marinhos que obedecem humanos em movimentos, mas ao menos comigo, achei tão lindo quanto intrigante que animais tão grandes pareçam felizes num tanque minúsculo comparado ao oceano. Meu pensamento ocorreu durante e apresentação do show "One Ocean", que substituiu o "Believe" que tinha treinadores interagindo com as baleias na água, e culminou na morte da treinadora Dawn Brancheau, de 40 anos.

a cauda caída
São reflexões ainda mais profundas que o documentário "Blackfish" propõe. A diretora Gabriela Cowperthwaite começa o filme de maneira dramática, com o chamado do parque temático pras autoridades de Orlando, na Florida, onde ocorreu o incidente. Aos poucos ela vai desmontando o show, pra entendermos como aquelas baleias foram parar ali. Entrevista ex-treinadores e colegas de Dawn, especialistas e faz uma série de conexões com outros acidentes.

Pra desmentir o conglomerado do SeaWorld de que as baleias
Dawn amava seu trabalho, mas não compreendia os riscos
assassinas são, sim, assassinas e perigosas em cativeiro, o documentário mostra a origem de grande parte dessas orcas - a Islândia -, e deixa a entender que todas elas não foram salvas, mas tiradas de seu meio por pura ganância. O foco é Tilikum, a baleia assassina macho que matou Dawn, mas já havia vitimado outras duas pessoas - uma delas uma treinadora. Seria Tilikum o grande vilão, ou o encobertamento de fatos pelo parque? Fatos estes, importantes, que nem treinadores tinham conhecimento. E assim, o filme tenta colocar alguma luz na indústria do entretenimento que diz cuidar de animais ao mesmo tempo que os explora.

ex-treinadores seguram o cartaz do filme
Um dos méritos do filme é que, a fim de não parecer completamente tendencioso, usa imagens. Imagens fortes de incidentes, ataques e até mesmo endoscopias nas orcas. E consegue entrevistar alguém que defenda o SeaWorld, mas que não traz fatos do real bem que o parque supostamente estaria fazendo. O filme não traz nada de novo ao gênero, mas toca num assunto do qual todos precisamos pensar. Num certo ponto, um ex-treinador diz "ainda chegará um dia em que lembraremos desses tempos bárbaros quando explorávamos animais".

Um grande destaque no Festival de Sundance do ano passado, o filme foi ignorado no Oscar deste ano, apesar do clamor popular. No Brasil, o filme estréia hoje diretamente na Netflix.