"Tomboy" (França, 2011) começa com uma criança loura de cabelos curtos com aproximadamente 10 anos, de braços abertos, com árvores passando rapidamente ao fundo, sentindo o vento passar pelos seus dedos e cabelos aludindo a liberdade, que a sociedade fará questão de lembrá-la que não tem. Logo percebemos que ela está em pé no carro conversível, enquanto seu pai dirige rumo ao novo lar, onde a mãe grávida, e a irmã menor os esperam. Depois de conhecer a nova casa, a criança abraça a mãe, que diz "Gostou do seu quarto? É azul como você pediu". Mas logo o tédio de ficar dentro do apartamento enquanto a irmã pequena brinca de coisas bobas, o pai trabalha fora, e a mãe fica de resguardo bate, e a criança vai pra rua depois de ver um grupo de garotos se organizando pra brincar. Quando desce, não os encontra mais, mas conhece a bela e divertida Lisa, de mesma idade, que pergunta seu nome, e olhando para os ladosno responde "Michaël".
Até aí temos um típico e simpático filme mostrando uma criança se descobrindo e crescendo, mas "Tomboy" é mais que isso. Quando volta pro apartamento, essa criança vai tomar banho com a irmã de 6 anos, até que depois de um bom tempo na água a mãe aparece pra tirar a caçula da banheira e diz "Laure, saia também". E sem pudores, a criança se levanta nua e mostra um corpo feminino em transformação.
Lisa e Laure flertam sob uma mentira? |
Acostumados a tratar temas delicados no cinema com certa naturalidade, os países de língua francesa, e principalmente a França mostram toda a filosofia de temas que poderiam soar cínicos em lugares como os EUA. Tomboy é gíria em inglês para definir meninas que parecem meninos, e só por isso o filme de alguma forma perde um pouco sua característica, já demoram alguns bons minutos pro público descobrir que a criança é uma menina, que claramente está querendo se passar por menino.
O filme lembra em alguns aspectos o belga vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 1998 "Minha Vida em Cor de Rosa", que mostra um garoto de 7 anos que gosta de se vestir de mulher, mas mostrado por um viés mais cômico, mas se aproxima mais da maturidade do argentino "XXY" sobre um adolescente hermafrodita que sofre de seus pais a pressão da escolha. Só que diferentemente do filme argentino, "Tomboy" não fica focado nas reações dos pais ou mesmo da sociedade, pois é Laure quem acompanhamos o tempo todo, e o roteiro não usa a trama pra criticar a sociedade ou um indivíduo falando apenas de preconceito, deixando claro que "cada um é cada um", o no final o que importa é o que você é pra você mesmo e para aqueles que ama. Laure e, aparentemente sua família, não tem problemas por seu jeito de menino, é algo veladamente assumido, mas todos sabemos das consequências de enganar os outros. Sem a menor trilha sonora instrumental, há cenas de poucos diálogos e algum desconforto que você pode prever uma explosão da menina, mas ela não parece estar se martirizando com a pressão da mentira.
A caçula Jeanne e Laure brincando |
A diretora Céline Sciamma, que já tocou no tema gay em "Lírios D'água" de 2007, tem um pouco da leveza dos Irmãos Dardenne, que ganharam notoriedade mundial desde o premiado "A Criança", e já disse em entrevistas que o filme só foi possível por ter encontrado Zoé Héran, a intérprete de Laure, que atua com seriedade sem jamais deixar de ser criança. Mas muito do charme do filme também reside na intérprete da irmã mais nova de Laure, a atriz-mirim Malonn Lévana, que usa a própria inocência pra surpreender e, indo mais longe, criticar a audiência. Altamente indicado, o filme está restrito ao circuito de cinema de arte, mas abre o circuito em 2012 com chave de ouro, deixando claro que o que importa é o que você acha de si próprio.
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