sábado, 28 de janeiro de 2012

Direto da Telona: O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS


Uma sala "claustrofobicamente" fechada. Paredes à prova de som. Control (John Hurt), chefe da Circus - elite do serviço secreto britânico - anuncia sua saída e de George Smiley (Gary Oldman). Este último, apesar de desconhecer a sua própria saída, não esboça reação frente aos demais presentes na sala. Sai resignado e a câmera o segue pelos corredores, escadas, até chegar ao térreo, onde passa pelo porteiro e começa o caminho para casa. O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011) é o cinema em sua essência: a imagem carregada de significado.

Em seu novo filme, Tomas Alfredson parece querer continuar tratando do medo x atitude, como já havia feito em Deixe Ela Entrar. Lá, tínhamos a vampira e seu amigo, a primeira lutando (ou seria administrando?) sua capacidade de fazer o mal; o segundo, tentando lidar com seus problemas. O encontro dos dois os ajuda a ampliar o seu auto conhecimento e lhes dá força para seguir. Agora temos um novo panorama: a Guerra Fria. Encrustada no meio do fogo cruzado de CIA e KGB, a Circus tem em seu alto escalão pelo menos cinco ou seis agentes dignos de ostentar a alcunha do título do filme.

Após uma operação mal sucedida em Budapeste, assistimos à cena descrita no início deste post. Mas bastam poucos dias para que Smiley seja tirado de seu sossego: suspeitasse da existência de um traidor russo infiltrado e o governo precisa novamente de seus préstimos. Smiley é o agente para o serviço. Frio e objetivo, dá início a um processo investigatório de espionagem como ele deve ser: sem explosões e tiros, mas cheio de escutas, entrevistas e documentos comprometedores. O diretor e seu fotógrafo acertam ao escolher filmar os acontecimentos de um ponto distante, tornando-os, de certa forma, objetos de nosso voyerismo investigatório. Além disso, os cenários e figurino sóbrios e frios contribuem para criar o clima de tensão, que domina toda a película.

Gary Oldman apresenta uma interpretação muito diferente do seu habitual. De fala mansa e decidida, eleva a voz apenas em dois pontos, claramente motivados. Seu óculos, mantidos até durante a sua natação, torna-se o seu Aston Martin, como ele mesmo informou em uma entrevista sobre o filme. Sua indicação ao prêmio de melhor ator se justifica e fica inegável na cena em que conta a Peter Guillam (Benedict Cumberbatch, mostrando que é mais do que Sherlock) o seu encontro com "Karla" (chefe da KGB).

O elenco é fabuloso. Além dos já citados, temos Mark Strong, Colin Firth, Ciaran Hinds, Toby Jones. Tom Hardy, cada vez melhor, é responsável por uma das cenas de flashback mais interessantes e densas. Aliás, a forma como a trama nos é contada, não-linear, funciona muito bem. Ao investir nessa estratégia, o diretor traz a imagem acompanhada por uma narração, a do entrevistado. Dessa forma, as interpretações de quem está em cena dependem muito mais de expressões faciais, movimentos corporais e agilidade/bom posicionamento da câmera. E nesse quesito, a equipe envolvida está de parabéns.

A trilha sonora, composta por Alberto Iglesias, é marcante e dá o tom às cenas. Suas notas parecem evidenciar o que devemos prestar atenção nos ambientes apresentados, nos tornando parte da investigação. Aí está outro grande acerto do filme: ele não nos convida a tentar desvendar quem é o espião, mas sim a acompanhar quão estafante á a vida de um espião, que abdica de todo o resto e vê em tudo algo para desconfiar. Uma subtrama de Smiley é particularmente interessante e o diretor, de forma inteligente, nos mostra a frieza com que o espião (vira de costas quando descobre) e o diretor (não mostra a personagem que motiva a situação claramente em nenhum momento) tratam a vida pessoal do mesmo. Smiley, por sinal, é a grande ironia do filme, por ser um nome de alguém que não dá um sorriso sequer durante todo o longa.

Dino Jonsater executa com inteligência a sua montagem, tornando a trama, por natureza um tanto quanto parada, fluída. Ele consegue intrigar e instigar na mesma medida, favorecendo o resultado final. Aliás, por falar em final, a cena que finda o filme é de uma beleza cinematográfica ímpar: ao som de La mer, cantada por Julio Iglesias, vemos uma sequência de cenas autoexplicativas e carregadas de significado.

O filme é um ótimo exemplar de filme de espionagem e merece ser conferido. O roteiro, uma adaptação do livro de John Le Carré, tem mais um mérito que, pelo menos comigo, conquistou: a trama foi tão interessante que me instigou a querer ler o livro. Eu sei que um bom filme não significa uma boa obra literária (ou vice versa), mas acho que vou arriscar. De suspeitas, chega as do filme...

OBS.: o nome em inglês do filme se justifica de forma brilhante (na minha opinião) durante a película.

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