Quando a crise da AIDS começou no fim dos anos 70, e começou a preocupar politicamente no começo dos anos 80, achavam que era uma epidemia apenas entre homens homossexuais. A comunidade médica sabia que poderia piorar, mas além de não terem tido "pulso firme", precisavam lidar com o preconceito. Alguns dizem que a doença apareceu no final do século XIX, outros que ela apareceu na década de 20, alguns dizem que foi fruto de experimentos, outros que foi castigo de Deus, alguns de que foi o cruzamento entre homens e macacos (este cientificamente mais provável), só se sabe que ela é original do centro-oeste africano, mas apesar de diagnosticado o vírus HIV no começo de 1980, só foi "catalogado" pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA em 1981, quando dezenas de homens gays morriam de uma fortíssima pneumonia em metrópoles como Nova Iorque. Os governos foram negligentes, e não tomaram nenhuma medida pra que a epidemia se espalhasse pelo mundo.
A comunidade gay e, porquê não, artística estavam atentas ao problema que os governantes dos EUA ignoravam. E sem espaço nos meios de comunicação em massa, eles voltaram no tempo, e usaram o que os gregos inventaram e usavam lá na antiguidade pra se comunicar com as massas: os palcos. Em 1982 já haviam alguns pequenos espetáculos que mal foram documentados, mas foi com a estréia de duas peças em Nova Iorque em 1985 que o mundo começou a questionar a política de controle à AIDS, e ver o sentimento naqueles que a maioria negligenciava. "As Is" de William Hoffman mostrava como a doença afetava as pessoas, e "The Normal Heart" de Tony Kushner veio na esteira mostrando isso tudo e alfinetando o prefeito de Nova Iorque Ed Koch, o jornal The New York Times por falhar em divulgar informações sobre a doença, o governo e todo o preconceito em torno da praga.
O que fez o discurso de "The Normal Heart" mais poderoso que o de "As Is" foi o caráter autobiográfico que Tony Kushner deu a sua obra. Ele é o personagem principal Ned Weeks, e ao viver tudo o que a peça mostra, viu nos palcos uma maneira de dar voz ao grito que ninguém queria escutar. E é exatamente esta a sensação que o público tem ao sair do teatro, de ter ouvido um merecido e racionalmente emotivo grito.
o elenco da peça |
Quando fui pra Nova Iorque e escolhi os espetáculos que assistiria, usei o critério da variedade e principalmente preço, porque não ia dar pra assistir tudo o que queria ao preço de ao menos 70 dólares cada. Como não queria ficar restrito aos musicais, "The Normal Heart" me chamou a atenção por ser uma peça dramática e ainda ter o ator Jim Parsons, o Sheldon da série cômica "The Big Bang Theory" no elenco. Eu não tinha idéia!... Depois de 294 apresentações de 1985, a peça foi encenada em outras cidades e em Londres, e foi remontada em 2004, mas sempre no circuito off-Broadway (e ainda existe o off-off-Broadway!). Em 2011 ela foi remontada no circuito da Broadway pra uma curtíssima temporada, e eu dei sorte. No elenco desta montagem estavam o incrível Joe Mantello (um dos atores originais da peça dupla que também fala da crise da AIDS e originou a minissérie da HBO "Angels in America", e diretor original do musical-sensação "Wicked"), John Benjamin Hickey (o irmão da protagonista da série "The Big C", e ganhador do Tony - Oscar da Broadway - pelo papel), Ellen Barkin (que também ganhou um Tony pelo papel), Jim Parsons, Lee Pace (protagonista da finada série "Pushing Daisies") e outros.
Os nomes ao fundo do palco são dos primeiros mortos |
Na peça, Ned Weeks é um escritor-ativista gay judeu-americano que foi chamado pela médica cadeirante Dra. Emma Brookner pra falar sobre uma misteriosa doença que ao longo da peça matou 45 homossexuais. Ela parece ser a única médica de Nova Iorque a atender esses homens, e a única a compreender o comportamento do vírus e sua ação endêmica. Ela é categórica ao dizer para o escritor "Você precisa falar para os gays que eles não podem continuar fazendo sexo˜, o que causa risos do protagonista e da platéia. O que ela quer é que Ned se torne um ativista deste problema, e o destino vai cercar ele deste problema. Nessa jornada pra fundar uma organização que informe a sociedade, e ajude os infectados, ele entra em atrito com seu homofóbico irmão mais velho que poderia lhe ajudar, com um ativista de caráter menos agressivo porém duvidoso que tenta lhe ajudar, e com a prefeitura de Nova Iorque que cria diversos obstáculos pra obtenção de apoio. E talvez dando origem ao título, se apaixona pela primeira vez. Talvez seu feroz coração tenha ficado normal?
A Doutora |
O sucesso da peça gerou o óbvio caminho do cinema, mas obras como "Angels in America" de 1993 foram adaptados muito antes. A atriz Barbra Streisand comprou os direitos da peça logo que assistiu em 1985, mas nunca conseguiu tirar do projeto, e então 10 anos depois devolveu os direitos para Tony Kushner. Durante a remontagem da peça ano passado, ele chegou a dizer para uma revista que a culpa da peça ainda não ter virado filme era dela. Anúncio este que fez a atriz postar em seu site oficial uma carta sobre o assunto, dizendo que Kushner exigiu que o roteiro que ele havia escrito não fosse retocado, o que segundo ela nenhum estúdio aceitou, e que a declaração dele de que ela havia feito um roteiro onde a Doutora era a protagonista em detrimento dos personagens gays para que ela estrelasse e dirigisse não procedia já que ela já havia oferecido o papel para Julia Roberts. Na carta, Barbra lembra que admira profundamente o trabalho de Kushner, que não tem ressentimentos, e que ao se entristecer por não ter levado o projeto pra frente espera e deseja que o filme seja feito, pelo bem de sua mensagem.
O elenco do filme, e o diretor no centro inferior |
De qualquer forma o trabalho de sondagem de Barbra deu resultados positivos, pois parte do elenco que ela havia procurado irá de fato fazer o filme. Ryan Murphy, notório criador de séries com militância gay como "Popular", "Nip/Tuck", "Glee" e "American Horror Story", e diretor de "Comer, Rezar, Amar" será o diretor, mas ainda não se sabe se o roteiro será nos termos de Kramer ou se o estúdio fará alterações. A produção fica por conta da Plan B de Brad Pitt, e no elenco principal terá Mark Ruffalo (o Hulk de "Vingadores") como Ned, Julia Roberts como a Dra. Emma Brookner (e única personagem feminina), Matt Bomer (da série "White Collar") como o namorado de Ned, Alec Baldwin como o irmão homofóbico e Jim Parsons reprisando seu papel de um inocente ativista gay do sul na peça.
Vai ser de cortar corações, mas PELAMORDEDEUS sempre usem camisinha. AIDS é uma praga mundial que QUALQUER um está passível de contrair. E já que os governos não fizeram nada lá atrás, quando só haviam dezenas de mortos, fazemos a contenção agora.
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