Segundo o jornal Folha de S.Paulo do dia 23 de janeiro, a cantora baiana Ivete Sangalo recebeu 650 mil Reais de cachê para fazer um show de inauguração do maior hospital da região de Sobral, no Ceará. Curiosamente a região é o "berço político" dos irmão Cid (governador) e Ciro Gomes. Não foi o primeiro, e nem será o último show da cantora que algum governo nordestino banca por motivos no mínimo duvidosos. Como artista, a cantora estaria apenas sendo contratada e sua imagem popular sendo utilizada pelos políticos para conquistar e agradar eleitores, mas há um código ético dos artistas pra situações como essa? Afinal, a combinação de música popular e política parecem ser polêmicas.
Foi nessa linha de raciocínio (ou não) que o escritor, jornalista, produtor musical e compositor Nelson Motta escreveu seu primeiro romance: "O Canto da Sereia - Um noir baiano", que mostra os desdobramentos da investigação do assassinato de uma famosa cantora de axé em pleno carnaval de Salvador, e as ramificações políticas do caso.
A morte da Sereia |
Adaptado para a tv como uma microssérie em 4 capítulos diários, a história de Sereia, considerada a animada e sensual princesa do axé baiano que é assassinada em plena famosa Praça Castro Alves em Salvador em cima de um trio elétrico durante o Carnaval chamou a atenção dos telespectadores pro clássico e enganador "quem matou?". Já não é de hoje que a tv brasileira explora o tema (veio bem antes do boom Odete Roitmann), mas salvo exceções de filmes de terror americanos, os textos brasileiros costumam explorar o desenvolvimento dos personagens envolvidos no mistério, e o segredo em si é apenas consequencia (geralmente óbvia) destes desenvolvimentos. O Canto da Sereia não é diferente, o foco da versão televisiva é a personagem Sereia, e principalmente sua intérprete: Ísis Valverde.
É inegável que Ísis é a alma refrescante da produção, e fica difícil imaginar outra atriz no personagem com tamanho carisma, entrega e novidade. Surpreende mais saber que Ísis gravou sua primeira cena como Sereia poucos dias após sua última cena como a igualmente inesquecível periguete Suéllen da novela Avenida Brasil. Suéllen era uma periguete boliviana que não tinha medo e receio de nada, já Sereia é arroz de festa, porque quando sozinha é só tristeza.
Flashback na Patagônia Argentina |
A cena que apresenta Sereia mostra ela tomando uma ducha, e nua pára frente ao espelho pra se olhar. Tinha tudo pra ser uma cena meramente sensual, mas ao se ver no espelho, o público imediatamente entende que essa "diva" está se sentindo tudo, menos sensual. E então ela tira um comprimido do fundo de uma caixa. Droga? Remédio? É o que a investigação do crime vai elucidar.
A montagem acompanha Sereia até seu assassinato, pra então mostrar os avanços da investigação particular do chefe de sua segurança Augustão (Marcos Palmeira competente tentando não parecer um Mandrake baiano) entre muitos flashbacks de tempos distintos, que irão explicar a relação da cantora com os suspeitos. Aqui a trama se assemelha com a serie Twin Peaks, pois vamos desvendando Sereia (humilde? Metida? Ardilosa? Bissexual? Frigida?) assim como Laura Palmer, com direito a diário também.
Figurino: Sempre saias, e muita renda pra realizar a fantasia |
À primeira vista, fica parecendo repetitivo que grande parte do elenco tenha saído da novela Avenida Brasil, e sem dúvida foi um risco, mas os atores (e equipe!) mostraram que apesar da superexposição, uma entrega completa aos personagens e a história fazem toda a diferença. Além de Ísis, despreocupada em como aparece no vídeo e preocupada em fazer a cena funcionar, com outro sotaque, figurino e uma energia solar contrária a de sua personagem anterior, Marcos Caruso mostra o bom ator que é como o governador (ACM?) alvo da espada justiceira e popular de Sereia, e principalmente Camila Morgado, mostrando como a empresária, uma força masculina que muitos duvidariam. Completam o elenco Marcelo Médici como o marqueteiro (in)discretamente gay da cantora e do governador, a cantora Margareth Menezes estreando como atriz no papel da pouco vista Delegada Pimenta, Zezé Motta como uma mãe de santo de segundo escalão, Fabíula Nascimento incrível e seríssima como a jovem mãe de santo mais poderosa da Bahia, o sempre ótimo Fabio Lago como o braço direito de Augustão, e o sensacional e mais visto no cinema João Miguel como o fã e maquiador Só Love. O maior porém fica por conta de Gabriel Braga Nunes como Paulinho de Jesus, ex namorado de Sereia e o cara que a revelou. Me convenço que ele é um ator ok de um mesmo personagem, e que não deu nem metade do que poderia pelo papel.
Mas fica claro que nada disso resultaria num bom produto se não fosse o roteiro enxuto (que muda o final do livro) de George Moura, Patrícia Andrade e Sérgio Goldenberg, e que (pasmem) tem supervisão final de Glória Perez; os figurinos perfeitos de Cao Albuquerque e Natalia Duran (a idéia das rendas pra Sereia parecia clichê, mas funciona sem alarde); e a direção geral (que valoriza a estética moderna e a atuação do elenco) de José Luiz Villamarim sob o núcleo de Ricardo Waddington, não por acaso os mesmos por trás do sucesso de Avenida Brasil.
polêmica? |
Uma polêmica rondou a estréia quando um pastor evangélico do interior de SP pediu que internautas boicotassem o programa, ao afirmar que a emissora valorizava mais as religiões afro-brasileiras (claramente depreciadas por ele e seus fiéis) que a evangélica. Não deu certo, e o programa foi tal sucesso de audiência para tal horário que a emissora pensa em transformar o material num longa metragem, além de inscrevê-lo para o Emmy. A emissora rival Record chegou a exibir uma longa matéria em seu principal programa dominical falando do assunto, e curiosamente cobrando a Globo a dar mais espaço para a religião evangélica em suas novelas.
Na opinião de quem vos escreve, seria impossível fazer O Canto da Sereia na Bahia sem mencionar o candomblé e ter uma mãe de santo (alvos da polêmica). E outra: a emissora é privada, ela pode decidir seu posicionamento político, religioso ou moral sem se preocupar se o povo pense que está sofrendo manipulação. Deveria caber apenas ao Estado fazer com que a população tenha educação suficiente pra ter opinião própria, sem se achar manipulado. Infelizmente não é o que ocorre, mas não é por culpa de uma mera emissora de televisão, que nem tem obrigação educadora.
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