quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

"Nada importa: apenas nós, as câmeras e essas pessoas maravilhosas no escuro"

Fade in.



Um escritor sem dinheiro. Dois cobradores em perseguição. Um pneu furado. Um palacete aos pedaços. Uma atriz que ainda se considera uma estrela. Um mordomo que não mede esforços para pintar o mundo como a sua patroa o quer ver. Ser cinéfilo nos dias de hoje tem suas vantagens: é fácil ir atrás dos clássicos! E nessa busca, os filmes de Billy Wilder tornam-se obrigação, como o estupendo Crepúsculo Dos Deuses (EUA, 1950).

Algumas obras exalam a mídia que representam, levando-nos a observar os detalhes que envolvem tal entretenimento. O filme em questão, desde o belo plano sequência que o inicia, grita cinema a cada novo fotograma. Temos a Sunset Boulevard - do título original em inglês - que dá passagem à polícia que segue em direção ao local de um homicídio. E é na piscina, boiando, que conhecemos o narrador, que nos acompanhará de forma cínica ao longo de todo o flashback que consome a maior parte da película.

"Eles acham que os atores improvisam tudo na hora."

Joe Gillis (William Holden), o escritor sem dinheiro, parece ser o alter-ego de todo iniciante na indústria cinematográfica, que antes de se estabelecer corre atrás de qualquer bico que surge. Existe uma crítica evidente à forma como roteiros são comercializados e como o lucro sobrepuja a arte em si. Joe coloca em dúvida até o reconhecimento do público ao trabalho dos roteiristas, às vezes relegados a uma única linha dos créditos.

"Eu sou grande! Os filmes que se apequenaram!"

Norma Desmond (Gloria Swanson), a atriz de que falo na introdução, vira o exemplo maior do quão trágico pode ser não saber desacoplar o mundo do entretenimento do dia a dia da vida real. Mais do que isso, a personagem nos leva a refletir o quanto o cinema depende de suas estrelas e vice-versa. Sentimos pena, medo e condescendência para com ela, mas também vibramos quando ela retoma algo de seu passado de sucesso. 

Além deles, temos Artie e sua noiva Betty, amigos e também parte do mercado, o mordomo Max e até mesmo uma ponta de Cecil B. DeMille, instigando nossa curiosidade a respeito dos contornos que a estória toma e valorizando um certo suspense não declarado e muito bem construído pelo roteiro e seus realizadores.

Os filmes P/B tendem a valorizar a fotografia, mas este é um primor em sua direção de arte como um todo. Figurino e ambientação (em especial do palacete/prisão de Norma) são um capítulo à parte, nos ajudando a mergulhar no mundo daquela mulher e de suas neuras. As escolhas de direção de Wilder tornam-se vibrantes na forma como Swanson defende sua personagem. Cenas como a do chimpanzé e a homenagem a Carlitos são fortes e cheias de significado!

A sequência final é a cereja do bolo. Bem orquestrada, ela claramente define as bases da cultura cinematográfica. O senso do que é real e o que é ficção entram em choque, criando uma mistura que sintetiza o filme e a sua indústria, dando brecha para uma suave quebra da quarta parede.

"Nada importa: apenas nós, as câmeras e essas pessoas maravilhosas no escuro."



Fade out.

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