Um escritor sem dinheiro. Dois cobradores em perseguição. Um pneu furado. Um palacete aos pedaços. Uma atriz que ainda se considera uma estrela. Um mordomo que não mede esforços para pintar o mundo como a sua patroa o quer ver. Ser cinéfilo nos dias de hoje tem suas vantagens: é fácil ir atrás dos clássicos! E nessa busca, os filmes de Billy Wilder tornam-se obrigação, como o estupendo Crepúsculo Dos Deuses (EUA, 1950).
Algumas obras exalam a mídia que representam, levando-nos a observar os detalhes que envolvem tal entretenimento. O filme em questão, desde o belo plano sequência que o inicia, grita cinema a cada novo fotograma. Temos a Sunset Boulevard - do título original em inglês - que dá passagem à polícia que segue em direção ao local de um homicídio. E é na piscina, boiando, que conhecemos o narrador, que nos acompanhará de forma cínica ao longo de todo o flashback que consome a maior parte da película.
"Eles acham que os atores improvisam tudo na hora."
Joe Gillis (William Holden), o escritor sem dinheiro, parece ser o alter-ego de todo iniciante na indústria cinematográfica, que antes de se estabelecer corre atrás de qualquer bico que surge. Existe uma crítica evidente à forma como roteiros são comercializados e como o lucro sobrepuja a arte em si. Joe coloca em dúvida até o reconhecimento do público ao trabalho dos roteiristas, às vezes relegados a uma única linha dos créditos.
"Eu sou grande! Os filmes que se apequenaram!"
Norma Desmond (Gloria Swanson), a atriz de que falo na introdução, vira o exemplo maior do quão trágico pode ser não saber desacoplar o mundo do entretenimento do dia a dia da vida real. Mais do que isso, a personagem nos leva a refletir o quanto o cinema depende de suas estrelas e vice-versa. Sentimos pena, medo e condescendência para com ela, mas também vibramos quando ela retoma algo de seu passado de sucesso.
Além deles, temos Artie e sua noiva Betty, amigos e também parte do mercado, o mordomo Max e até mesmo uma ponta de Cecil B. DeMille, instigando nossa curiosidade a respeito dos contornos que a estória toma e valorizando um certo suspense não declarado e muito bem construído pelo roteiro e seus realizadores.
Os filmes P/B tendem a valorizar a fotografia, mas este é um primor em sua direção de arte como um todo. Figurino e ambientação (em especial do palacete/prisão de Norma) são um capítulo à parte, nos ajudando a mergulhar no mundo daquela mulher e de suas neuras. As escolhas de direção de Wilder tornam-se vibrantes na forma como Swanson defende sua personagem. Cenas como a do chimpanzé e a homenagem a Carlitos são fortes e cheias de significado!
A sequência final é a cereja do bolo. Bem orquestrada, ela claramente define as bases da cultura cinematográfica. O senso do que é real e o que é ficção entram em choque, criando uma mistura que sintetiza o filme e a sua indústria, dando brecha para uma suave quebra da quarta parede.
"Nada importa: apenas nós, as câmeras e essas pessoas maravilhosas no escuro."
Fade out.
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