terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Globo e a polêmica Lei de Incentivo à Cultura (via Serra Pelada)


Hoje estréia na Globo a minissérie "Serra Pelada". Dirigida por Heitor Dhalia (revelado em "Nina", descoberto por um público maior em "Cheiro do Ralo", flertado com grande produção em "À Deriva" e internacionalizado com "12 Horas"), a obra conta a história de dois amigos de infância (vividos por Julio Andrade e Juliano Cazarré), que se mudam pro interior do Pará no ano de 1980 em busca de uma vida (muito) melhor em Serra Pelada, o maior garimpo dos últimos tempos, e acabam vivenciado o que ficou conhecido como a "febre do ouro", já que amizade e cumplicidade acabavam corrompidas pela ambição e obsessão num garimpo que mais lembrava um campo de batalha. Ainda estão no elenco as comentadas presenças de Wagner Moura (que teve de desistir de viver o protagonista, para ficar apenas com uma rápida participação), Matheus Nachtergaele e Sophie Charlotte. 



Mas não estamos aqui pra entrar no mérito da produção, porque antes de ser uma minissérie televisiva, "Serra Pelada" também foi um filme pra cinema. E é isso que queremos discutir. Com custo de R$ 8,4 milhões, o filme foi um fracasso visto por menos de 400 mil espectadores, arrecadando apenas R$ 4,1 milhões. Se mesmo com o apoio da Globo, pelo braço GloboFilmes, o filme não se pagou, nada anormal que ele ganhe um público mais amplo como minissérie. Isso se 81% do custo do filme não tivesse sido financiado por incentivo fiscal (ou seja, um dinheiro que não foi arrecadado pelo governo).



A Lei de Incentivo à Cultura (conhecida por Lei Rouanet) é o mecanismo de incentivo à cultura por renúncia fiscal, onde uma pessoa jurídica ou física pode ter até 100% do incentivo (desde que não ultrapassando os 4% pra empresa e 6% pra pessoa física) deduzidos no Imposto de Renda devido ao governo. Em troca do patrocínio, a empresa tem seu nome ligado e divulgado pelo projeto, que usualmente não se enquadra em programas do Ministério da Cultura.



O problema está no critério pra liberação da captação de valores destes projetos. Se a idéia é promover a cultura com projetos que possam agregar algo à comunidade, por que muitos dos projetos aprovados cobram ingressos exorbitantes? É o caso, por exemplo, da cantora Claudia Leitte que conseguiu aprovação pra captar quase 6 milhões de Reais pela Lei Rouanet, pra realização de cerca de 12 shows. Também foi o caso do musical teatral "O Rei Leão", que captou R$ 11 milhões pra um espetáculo com ingressos de, no mínimo, R$ 50.




"Serra Pelada" não é um caso isolado. Exibido como programação de Natal em 2012, "Xingu", outro fracasso do cinema nacional ganhou nova edição com cenas inéditas dividida em capítulos, além de "Gonzaga - De Pai pra Filho" no começo de 2013. Na primeira semana deste 2014 também tivemos a adaptação do clássico romance "O Tempo e o Vento", que segundo a Ancine custou R$ 14 milhões, sendo R$ 6,5 milhões financiados por incentivos fiscais. 



A Globo não concorda que o dinheiro público tenha financiado as minisséries, afirmando que foi a GloboFilmes, como co-produtora dos filmes, quem captou os valores via incentivos fiscais aplicados por empresas estatais (geralmente Petrobrás e Caixa), e o acordo prevê exclusividade da emissora na exibição dos filmes. Mas ficou evidente que tenham vendido o material como algo inédito, e produzido pela casa. E talvez pior, lucrando com, por exemplo, duas cotas de patrocínio de R$ 750 mil apenas em "O Tempo e o Vento".



Forçando o pensamento positivo (ou apenas constatando), temos produções cinematográficas que não atingiram toda a sociedade, mas que contam um pouco da história do país por ações políticas, sociais, musicais ou literárias. E também temos produções que valorizaram e utilizaram mão de obra e artistas brasileiros. Como comparação temos a principal rival da emissora carioca, a paulistana Record, que adquiriu os direitos da inegável obra-prima "Breaking Bad", que é uma produção televisiva americana e totalmente importada, pra rivalizar com as minisséries financiadas pela Lei Rouanet.


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