quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Amor à Vida ou Em Nome do Pai

Em sua reta final, a novela "Amor à Vida" escrita pelo irregular Walcyr Carrasco parece ter se acertado em muitos pontos. Mas pra chegar a este ponto, muita coisa deu errada e teve de continuar dando errado até uma brusca mudança.

Conhecido por não definir claramente um começo, meio e fim em suas novelas, nesta ele ao menos definiu que assuntos tocaria. O título original "Em Nome do Pai" já indicava algum tema religioso, que viria principalmente por um núcleo que se formaria com o tempo em torno da personagem Valdirene, que terminaria a trama como uma cantora gospel. Mas a desistência de Ingrid Guimarães pro papel para uma atriz que vinha de um trabalho de maior comicidade que foi Tatá Werneck, obrigou o autor a desistir de mostrar a conversão religiosa de Valdirene. Mas os primeiros capítulos mostraram uma ligação com o espiritual que parecia importante (Machu Pichu, estrelas, vidência, uma senhora falando de Deus com a abalada protagonista, o mocinho agradecendo Deus por ter encontrado um bebê na lixeira...), mas não era, já que toda esta questão foi completamente eliminada da trama. Ela só voltou quando a personagem de Carolina Kasting precisou de uma trama própria pra crescer. 
Aleluia? Acho que não.

Mas indo além do Pai Criador, a novela sempre falou, mesmo que arbitrariamente, sobre paternidade e principalmente do papel do homem, como macho alfa, na família e sociedade nos dias de hoje. O vilão Félix cometeu os crimes mais hediondos "em nome do Pai" e da atenção que não tinha, apesar da informação ter sido objetivada apenas na metade final da trama. Até então a questão paterna ficou mais clara nos personagens de Malvino Salvador, que criou uma filha que achou na rua como sua, Ninho, o pai hippie da criança e o casal gay de Thiago Fragoso e Marcello Antony, que queriam ser pais.

No meio do caminho o autor, sob pressão das críticas e baixa audiência (apesar de Valdirene e Félix terem entrado pro imaginário popular), resolveu fazer uma faxina na trama e ser mais objetivo com o que já tinha engatilhado. Foi aí que Amarilys, a doce doutora vivida por Danielle Winits passou a ser uma das vilãs enlouquecidas da trama, que o vilão capaz de jogar um bebê no lixo Félix se tornou o homossexual estereotipado, que ironicamente emulava (mais um reflexo da vilã solar de "Avenida Brasil"), que fez tudo pela rejeição do pai preconceituoso e machista. E a audiência respondeu positivamente.

A metáfora da cegueira no macho que se acha alfa
Entre toda a faxina, houve boas e más surpresas. A adição de José Wilker no núcleo hospitalar a fim de trazer história pras personagens de Carolina Kasting e Eliane Giardini se tornou um escândalo que envolveria incesto, e acabou se tornando uma trama vazia, com atores subaproveitados. Já Rainer Cadete, que entrou burocraticamente como um advogado, ganhou um interessante destaque ao se envolver sutilmente na delicada trama sobre autismo de Linda (vivida por Bruna Linzmeyer, que faz o pode com cenas que mostram graus opostos de autismo).

De todos os problemas, é inegável o fator social tão negado por
"Não vai ser dessa vez que vou te beijar, Félix"
autores e muitos artistas, de debater o autismo, a adoção e paternidade biológica de casais gays, machismo e a própria homossexualidade. Félix era tudo o que a sociedade queria que ele fosse negando sua condição sexual, e sua infelicidade o traiu. Se o público já o amava enquanto vilão, imagina após a redenção? Se o público já achava o chef de cozinha Niko fofo, imagina depois que ele foi traído pelo marido e melhor amiga numa questão envolvendo filhos? O público conservador pode ter reclamado, mas torceu pelo bem, e que ambos ficassem juntos. E muitas cenas da última semana clamavam por um beijo entre o casal, deixando claro a hipocrisia, ao não fazê-lo, e deixando-as incompletas.

Todos pagamos pelos pecados ou virtudes do pai. Seja ele fictício ou verdadeiro. E assim a sociedade (não) se transforma. Mas não por causa de uma novela.

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