Histórias a respeito de soldados que são treinados por algum órgão militar visando alcançar o combatente perfeito não são novidades. Tanto na literatura quanto no cinema, esse é um assunto que é, invariavelmente, revisitado de tempos em tempos. Temos, por exemplo, a trilogia Bourne que, recentemente, agradou a público e crítica ao contar a história de um agente desmemoriado que busca entender uma série de circunstâncias pelas quais é cercado. Como este, o gênero é muito mais lembrado por ser um filme de ação do que algo mais intimista, analítico.
Joe Wright, diretor responsável por filmes como Orgulho & Preconceito e Desejo e Reparação (duas adaptações, por sinal), é conhecido por saber ajudar seu elenco a contar muito de seus sentimentos por meio de olhares, trejeitos e posturas perante outro personagem ou o ambiente em que se encontram. Nesse contexto, o diretor sempre demonstrou saber lidar muito bem com a interação personagem/cenário, sendo pomposo na medida certa. A cena da dança entre Darcy e Lizzie em Orgulho & Preconceito é um bom exemplo: troca de olhares e a decoração do local "esvaziam" a sala das demais personagens.
HANNA (Hanna, 2011) tem como premissa uma menina (a ótima Saoirse Ronan) sendo treinada pelo pai (Eric Bana) para ser uma máquina mortífera. Há um propósito mais específico ainda, um objetivo maior por parte do pai e, em determinado dia, quando se sente preparada, ela decide partir e cumprir com o seu objetivo. Quando o Carlos (um dos editores da Liga) escreveu este post, já deixou bem claro a nossa maior curiosidade: como se sairia Joe Wright nesse gênero, tão diferente do que ele já produziu até hoje? E agora temos a resposta: bem!
A cena inicial já nos mostra o que será a dinâmica do filme: a garota caça, em uma floresta coberta por neve. Temos vislumbres da presa (e do medo em seus olhos) e da caçadora (determinada e concentrada) em enquandramentos interessantes. Após uma flechada certeira, o animal tenta escapar, caindo poucos metros à frente, na imensidão branca da neve. Quando a menina o alcança, fita-o por alguns instantes e constata "Eu errei o seu coração", e atira. O letreiro, em letras grandes e brancas em um fundo vermelho incomoda, como será incômoda a imagem daquela doce menina carregar uma arma ao longo da película. Totalmente Joe Wright.
Ao longo do filme, estando em tela quase que 100% do tempo, Saoirse (como de praxe) consegue conferir à "máquina mortífera" toda a inocência e instensidade adolescente que se espera. Os momentos que passa junto à família em férias são seu rito jovial, seu aprendizado daquilo que a vida de exílio, ao lado de seu pai, a privou. O filme desacelera nesse momento, o que é pouco habitual em filmes de ação, mas que, bem manobrado pelo diretor, fica coerente com a jornada da personagem. A fotografia também ajuda muito. A forma como ocorre uma evolução, dos ambientes desérticos para ambientes povoados (por pessoas e, também, por objetos modernos) fica evidente nos belos olhos azuis da atriz principal.
Podemos enxergar uma metáfora à adolescência que usa várias referências aos contos de fadas, através de sua estrutura, seus arquétipos e suas convenções. A protagonista é como uma criança protegida que sai e começa a descobrir o mundo, e vê que ele não é exatamente - ou somente - o que seus pais diziam que é. É uma história sobre amadurecimento, sobre aceitar e lidar com os fatos (bons e ruins) da vida.
Mas e a ação? Ela está lá também, em momentos chave, e a direção também se mostra muito competente. A fuga de uma base da CIA é mostrada com uma câmera claustrofóbica, que confere mais realismo a cena. A opção aqui é ser mais próximo possível de uma situação real: os golpes são pontuais e, invariavelmente, mortais. Mas não é isso que se espera de uma máquina de guerra? Em outra cena, o pai se vê encurralado por alguns agentes e mostra de onde vem o aprendizado da menina.
Quanto à trilha sonora, criada pelo duo do Chemical Brothers, ela é boa. Nada que perdure na mente ao final do filme, mas é eficiente ao criar tensão e emoção na medida certa. Ela é capaz de imitar o som de caixas de música em momentos para, na sequência, mergulhar em batidas eletrônicas (a inocência permeada pelo perigo). A edição precisa de um elogio à parte. Ela nos ajuda, efetivamente, a entender que estamos em um mundo complexo e caótico de alguém que vê em tudo algo de novo.
Com um bom elenco (incluindo ainda a sensacional Cate Blanchett) e ótimas personagens de apoio, o filme equilibra bem as cenas de ação e o desenvolvimento da trama. Talvez o que deixe um pouco a desejar ao final do longa é a inexistência de respostas para todas as questões levantadas. Nada que comprometa. Gostei sim, de ver que Joe Wright é um diretor para se prestrar atenção e, mais ainda, que Saoirse ainda renderá muitos bons filmes. Quando está lado a lado com Cate Blanchett em cena, nos minutos finais do filme, sente-se o grau de comprometimento dessa atriz mirim.
Lembro de uma imagem de divulgação que ficou em minha mente: Hanna frente a um túnel com a forma da cabeça de um Lobo-mau. É a metáfora perfeita. E assistir à jornada de auto-conhecimento é uma experiência muito interessante.
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